A chuva naquela tarde parecia interminável, caindo em cortinas prateadas sobre a cidade. Cada gota batia no calçado com um ritmo que lembrava o próprio tempo—constante, implacável e cruel. Inês Vaz sentava-se no banco de madeira gasto sob o abrigo do ponto de autocarro, apertando a mochila desgastada como se fosse um salva-vidas. O copo de papel a seus pés, meio cheio de moedas, tremia com o vento.
Aos vinte e três anos, Inês já se acostumara a ser invisível. Seis meses sem lar ensinaram-lhe que as pessoas raramente olhavam além da superfície. Notavam a roupa cansada, o rosto pálido, os olhos cansados, e apressavam-se a passar. Dizia a si mesma que já não doía. Mas ao fitar o reflexo embaçado no vidro do abrigo, mal reconhecia a mulher que a encarava.
A tempestade rugia, abafando o murmúrio da cidade, até que uma voz suave atravessou o ruído.
“Precisa deste guarda-chuva?”
Inês piscou e virou-se. A poucos passos estava uma menina, talvez com sete anos. Vestia um casaco amarelo vivo e segurava um guarda-chuva cor-de-rosa grande demais para seu tamanho. Tranças castanhas emolduravam seu rosto, e seus olhos verdes brilhavam com a curiosidade só das crianças.
Inês forçou um sorriso. “Estou bem, querida. Só estou à espera do autocarro.”
A menina inclinou a cabeça, estudando-a, como se decidisse se Inês dizia a verdade. Depois de uma pausa, soltou palavras que fizeram o coração de Inês tropeçar.
“Você precisa de uma casa, e eu preciso de uma mãe.”
Inês ficou sem ar. Fitou a menina, sem saber se ouvira direito. “O que foi que disseste?”
A menina manteve o olhar, sem medo. “Você precisa de uma casa. E eu… bem, não tenho mãe. Então, talvez pudesse ser a minha.”
Por um instante, Inês riu baixinho, pensando ser brincadeira de criança.
“Oh, querida, eu não… quero dizer…”
Mas a menina falava sério. Sentou-se ao lado de Inês no banco e colocou o guarda-chuva entre elas, abrigando ambas da tempestade.
“Chamo-me Beatriz,” disse, balançando as pernas. “A minha mãe foi-se embora quando eu era bebé. Agora sou só eu e o meu pai. Mas ele trabalha muito. Tenta, mas às vezes… às vezes só queria alguém mais.”
Inês sentiu o peito apertar. Conhecia a solidão como uma sombra, e na voz de Beatriz, reconheceu-a. Ainda assim, as palavras da menina soavam pesadas demais.
“Beatriz, onde está o teu pai agora?” perguntou Inês com suavidade.
“Ali na loja.” A menina apontou para uma livraria. Através da vidraça enevoada, Inês viu um homem de casaco cinza a folhear livros.
“Ele sabe que estás aqui?”
Beatriz encolheu os ombros. “Disse-lhe que ia esperar no ponto. Gosto de falar com as pessoas.” Inclinou-se. “E você parecia precisar de conversar.”
Antes que Inês respondesse, o homem na livraria reparou na filha. Saiu à pressa, segurando um saco de papel contra a chuva. Alívio e leve frustração cruzaram-lhe o rosto.
“Beatriz!” chamou. “Não podes sair assim.”
“Eu não saí,” protestou Beatriz. “Fiquei aqui!” Apontou para Inês. “Estava a falar com ela.”
O homem virou-se para Inês, os olhos cautelosos mas educados. “Obrigado por ficar com ela.”
Inês baixou o olhar, envergonhada.
“Foi ela que me fez companhia.”
Algo no seu tom fez o homem hesitar. Estudou-a—realmente estudou-a—como poucos faziam. Os olhos amoleceram ao ver a mochila, o copo de moedas, o blusão molhado colado aos ombros.
“Tem… tem onde ficar?” perguntou baixinho.
Inês vacilou. O orgulho pedia-lhe para mentir, mas a verdade escapou-lhe. “Não. Não mesmo.”
Beatriz puxou a mão do pai.
“Vês, pai? Ela precisa de uma casa. E eu preciso de uma mãe.”
As palavras pairaram no ar, surpreendendo-os a ambos.
O homem, que Inês veio a saber chamar-se Rodrigo, soltou um sorriso incerto. “As crianças dizem coisas assim.”
Mas Beatriz insistiu, olhando para ele com convicção. “PRodrigo respirou fundo, estendeu a mão para Inês e disse, com uma voz tão suave quanto a chuva que agora amainava: “Então fica, porque a casa já é tua também.”
