Rui Mendes não devia chegar a casa antes do pôr do sol. A agenda marcava um jantar com investidores, a assistente tinha um carro à espera lá em baixo e o relatório habitual da noite repousava na secretária como um cão fiel. Mas quando as portas do elevador se abriram no silêncio do seu apartamento em Lisboa, não ouviu nada daquele mundo — apenas um leve soluço contido e um sussurro suave que dizia: “Está tudo bem. Olha para mim. Respira.”
Entrou ainda com a pasta na mão. Na escada, o filho de oito anos, Tomás, estava sentado, rígido, os olhos castanhos brilhando com lágrimas contidas. Um leve hematoma marcava a sua face. Ajoelhada diante dele, a cuidadora da família, Inês, aplicava um pano fresco com uma ternura que transformava a entrada numa capela.
A garganta de Rui apertou. “Tomás?”
Inês ergueu o olhar. As mãos dela não tremiam; apenas pararam, firmes como um batimento cardíaco. “Sr. Mendes. Chegou cedo.”
Tomás baixou os olhos para as meias. “Olá, pai.”
“O que aconteceu?” perguntou Rui, mais áspero do que pretendia. O medo no peito tinha a capacidade de aguçar tudo.
Inês pigarreou. “Um pequeno incidente.”
“Pequeno incidente,” repetiu Rui. “Ele está com um hematoma.”
Tomás estremeceu, como se as palavras fossem também capazes de magoar. A mão de Inês pousou no ombro do menino. “Posso terminar? Depois explico.”
Rui assentiu e colocou a pasta no chão. A casa cheirava a cera de limão e ao sabão de alfazema que Inês usava nos corrimões. Um palco perfeito para uma noite comum — exceto que nada parecia normal.
Quando terminou de aplicar o pano, Inês dobrou-o com cuidado, como quem fecha um livro. “Queres contar ao teu pai, Tomás? Ou queres que eu conte?”
Os lábios de Tomás cerraram-se. Inês olhou para Rui. “Tivemos uma reunião na escola.”
“Na escola?” Rui franziu a testa. “Não recebi nenhum e-mail.”
“Não estava planeada,” respondeu Inês, os olhos fixos nele. Calmos. Não evasivos, não culpados — apenas… calmos. “Vou contar-te tudo. Mas talvez devêssemos sentar-nos?”
Foram para a sala de estar. A luz do sol dourava as molduras das fotografias — Tomás na praia com a mãe, Tomás num recital de piano, um bebé Tomás a dormir no peito de Rui. Ele lembrava-se daqueles sábados: conferências no mute enquanto um coração pequeno aquecia a sua camisa.
Rui sentou-se em frente ao filho e forçou a voz a suavizar. “Estou a ouvir.”
“Foi durante a aula de leitura,” disse Inês. “Dois meninos gozaram com a lentidão do Tomás a ler. Ele defendeu-se — e defendeu outro menino que também estava a ser gozado. Houve um empurrão. O Tomás ficou com o hematoma. A professora separou-os.”
O maxilar de Rui apertou. “Bullying,” disse, a palavra a soar como um martelo. “Porque não me ligaram?”
Os ombros de Tomás subiram. A voz de Inês baixou. “A escola ligou à Sra. Mendes. Ela pediu-me para ir, já que tinha a apresentação para o conselho. Não quis que te preocupasses.”
Uma irritação familiar surgiu — Carolina a tomar decisões, a suavizar a superfície da vida para ele manter tudo a andar. Eficiente. Enfurecedora. Protetora. Respirou fundo. “Onde está ela?”
“Pres”Está presa no trânsito,” disse Inês, hesitante, “mas chegará em breve.”







