O Militar Chegou de Surpresa e Viu a Irmã Machucada

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Pedro Almeida, um sargento reformado do exército com cicatrizes invisíveis de anos no campo, não imaginava voltar tão cedo à sua terrinha. A vida, agora mais tranquila, desmoronou com uma chamada da mãe. A voz dela, normalmente quente, vinha carregada de silêncios que cortavam como navalhas e respostas evasivas que apertaram seu peito. Algo não estava bem. Sem pensar duas vezes, sem avisar, comprou a primeira passagem de avião disponível. A urgência consumia-o, um eco das missões onde cada segundo podia ser a diferença entre a vida e a morte.

Ao chegar à casa da irmã Joana, o mundo desabou-lhe em cima. A porta abriu-se e lá estava o Marco, o cunhado, com um sorriso arrogante que pingava controlo. Mas foi Joana, lá atrás na sala, que lhe partiu o coração. O rosto dela, coberto com maquilhagem mal aplicada, não escondia as nódoas negras que marcavam a pele como um mapa de dor. Os olhos de Pedro, treinados para detetar perigo, acenderam-se de raiva contida.

“O que aconteceu à tua cara, Joana?”, perguntou, a voz a tremer entre a fúria e o medo, sem sequer olhar para o Marco. “Caí das escadas”, sussurrou ela, os olhos fixos no chão, como se olhá-lo nos olhos fosse trair um segredo mortal. Pedro sentiu um vazio no estômago. Não acreditou numa palavra. O Marco, servindo-se de um café com uma calma insultuosa, soltou uma risada seca. “A distração é de família, não é, cunhado?” A provocação era um desafio, mas Pedro não caiu nela.

Por dentro, uma promessa ardia. Não sairia dali sem arrancar a verdade daquela casa envenenada. O ar estava pesado, como se o próprio medo se tivesse entranhado nas paredes. O Marco movia-se com a segurança de um tirano, controlando cada gesto da Joana, corrigindo coisas insignificantes: a maneira como cortava o pão, como dobrava um guardanapo, com um tom que fingia ser leve mas cheirava a crueldade. Pedro via tudo com a precisão de um soldado, cada movimento gravado na memória.

Joana, a irmã cheia de vida, que antes enchora a casa de risos e sonhava em ser estilista, estava destruída. Os ombros curvados, as mãos a tremer, os olhos a fugir. Assustava-se quando o Marco levantava a voz ou se aproximava demasiado. Não havia telemóvel na bolsa, nem um cêntimo na carteira, nem um sopro de liberdade na própria casa. Os sinais eram um grito abafado, e Pedro, com o coração nas mãos, jurou não ignorá-los. Naquela tarde, arranjou um momento a sós com ela.

Encontrou-a na cozinha, a olhar para uma chávena vazia. “Joana, fala comigo”, suplicou, a voz baixa mas carregada. Ela abanou a cabeça, o medo pintado no rosto. “Não posso, Pedro. Se ele descobre, piora. Não sabes como ele fica quando se zanga.” A voz dela quebrou-se como vidro. Ele respirou fundo, lutando contra a raiva que lhe queimava o peito. “E tu sabes que não há nada que me pare se alguém te magoar”, disse, com uma calma que escondia um vulcão.

Os olhos da Joana encheram-se de lágrimas, e num fio de voz, suplicou: “Fica, por favor, só uns dias.” Aquele pedido, tão frágil e desesperado, foi um tiro na alma do Pedro. Quando o Marco voltou para a sala, a presença dele encheu o espaço como uma sombra. “Aqui não se guardam segredos, Pedro”, disse com um sorriso venenoso. “Tudo se sabe, por isso não lhe metas ideias na cabeça. Ela está bem, e tu fica no teu lugar.”

A ameaça era clara, mas Pedro encarou-o como se olha para um inimigo que não sabe que o tempo dele está a acabar. Os anos no exército ensinaram-lhe paciência, estratégia, a esperar o momento certo. Não podia ser impulsivo, não com a Joana tão frágil. Os dias seguintes foram um tormento silencioso. Pedro observava, memorizava cada movimento do Marco, cada palavra, cada gesto, juntando provas como se estivesse num campo de batalha.

Ignorou as provocações do Marco. Os comentários cortantes, as risadas cruéis. Mas o que mais doía, o que lhe arrancava pedaços da alma, eram os gritos abafados que ouvia à noite, os soluços da Joana a atravessar as paredes. “A cobardia do Marco não estava só nos murros”, pensou Pedro. Estava na maneira como a convencera de que ninguém a acreditaria, de que estava sozinha, de que merecia aquele inferno.

Uma tarde, enquanto a Joana levava o lixo, Pedro aproveitou um instante. Deslizou-lhe um papel com o contacto de um amigo no Ministério Público, alguém que lhe devia um favor grande. “Guarda. Liga se puderes.” Ela pegou nele com mãos trémulas, mas ao ver o Marco a observá-la da janela, escondeu-o no bolso num movimento rápido, como se a vida dependesse disso.

Naquela noite, enquanto Pedro fingia dormir no sofá, um baque seco e um gemido dilacerante fizeram-no saltar. Aproximou-se do quarto, o coração a bater como um tambor. Ouviu a voz do Marco, baixa e cheia de ódio: “Se contares alguma coisa ao teu irmão idiota, juro que não será só a cara na próxima vez.” Pedro cerrou os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos. Aquilo já não era só salvar a Joana.

Era uma guerra contra um monstro que se julgava intocável. No dia seguinte, com o coração na garganta, Pedro ligou ao contacto no Ministério Público. “Nada de viaturas à vista. Só preciso do processo do Marco.” O que descobriu foi um murro na alma: uma queixa anterior por violência contra outra mulher, arquivada por falta de testemunhas, de provas, de voz. O mesmo padrão, a mesma impunidade.

Naquela noite, o Marco encarou-o na sala. “Sei o que andas a fazer, soldadinho”, cuspiu, a voz a escorrer veneno. “Achas que podes vir para a minha casa fazer-te de herói? Se tentas tirá-la daqui, não sais vivo.” Puxou de uma navalha, apontando-a à Joana, que ficou paralisada, os olhos arregalados de pavor. Pedro, com o telemóvel na mão, hesitou sobre o botão de chamar. O ar era espesso, cada segundo uma eternidade.

O Marco virou a mesa de um golpe, entornando café e papéis, um lembrete brutal de quem mandava. A Joana, com a voz partida, sussurrou: “Há alguma saída, Pedro?” Mas o Marco bloqueou a passagem, o pé a esmagar os papéis, a navalha a dizer que ela não se mexia sem a permissão dele.

A tensão era insuportável. O Marco encontrou o papel no bolso da Joana e, num rompante de fúria, esmagou o telemóvel do Pedro. “Este era o teu plano?”, rugiu. “Ninguém entra aqui sem a minha ordem.” A navalha aproximou-se mais da Joana, e o gemido dela foi como uma facada no coração do Pedro.

Quando tudo parecia perdido, uma batida firme ecoou na porta. “Polícia, abram agora!” O Marco recuou, confuso, a navalha a tremer-lhe na mão. Pedro, com o pulso acelerado, apontou para o corredor. “Estão aqui. Não mexas.” O Marco rosnou, tentando bloquear a entrada, mas dois agentOs agentes avançaram rapidamente, imobilizando o Marco enquanto ele gritava em vão, e naquele momento, entre lágrimas e suspiros de alívio, Joana percebeu que a sombra que a perseguia há anos finalmente se dissipava sob a luz da justiça.

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