Menina liga para a polícia de madrugada dizendo que os pais não acordavam — e o que encontraram em casa chocou a todos

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Era no meio da noite na cidade de Alcobaça. Dentro da esquadra mal iluminada, o Sargento Manuel Silva estava sozinho atrás do balcão, lutando para não adormecer. A luz fluorescente sobre a sua cabeça zumbia baixinho, e o único som na sala era o ronco surdo de um computador velho. Ele olhou para o relógio na parede. Os ponteiros marcavam quase três horas. Era sempre a hora mais difícil, quando o silêncio parecia mais pesado, como se o mundo todo tivesse parado de respirar.

Manuel esfregou os olhos e suspirou. Ninguém tinha ligado desde que o seu turno começara. Recostou-se na cadeira, pensando se devia servir mais uma chávena de café requentado. Foi então que o telefone tocou, o som agudo cortando o silêncio como uma faca.

Ele atendeu automaticamente. “Polícia de Alcobaça, fala o Sargento Silva. Como posso ajudar?”

Por um instante, ouviu apenas o ruído da linha. Depois, uma voz frágil, hesitante e trémula: “Olá?”

Manuel franziu as sobrancelhas. A voz pertencia a uma criança, talvez não mais que seis ou sete anos. O tom dele suavizou imediatamente. “Olá, menina. Porque estás a ligar para a polícia tão tarde? Onde estão os teus pais?”

Houve uma pausa, e depois a menina sussurrou: “Estão no quarto.”

“Podes passar a tua mãe ou o teu pai?” perguntou Manuel com calma.

Um longo silêncio. Depois, a voz dela voltou, ainda mais baixa: “Não posso.”

Manuel endireitou-se na cadeira, uma inquietação a crescer-lhe no peito. “Conta-me o que aconteceu. Só ligas para nós se for algo muito importante.”

“É importante,” disse a menina, e ele percebeu que ela estava a segurar o choro. “Fui acordá-los, mas não se mexem. Não me respondem.”

O sono que turvara a mente de Manuel desapareceu num instante. O seu instinto gritava que aquela não era uma chamada normal.

Manteve a voz calma, por ela. “Talvez estejam a dormir muito profundamente. Já é muito tarde.”

“Não,” sussurrou ela. “Abanei-os. Eles sempre acordam quando entro. Mas desta vez não.”

Manuel tapou o auscultador com a mão e fez sinal ao Agente Ferreira, que cochilava num canto, para preparar a viatura. Depois voltou ao telefone. “Há mais adultos contigo? Avós, uma baby-sitter?”

“Não. Só eu e eles,” respondeu ela.

“Tudo bem. Preciso que me digas a tua morada para irmos aí ver o que se passa.”

Ela ditou-a devagar, tropeçando nos números. Manuel anotou rapidamente, reconhecendo o bairro: umas casas mais antigas perto da zona rural. Manteve o tom sereno. “Fizeste muito bem em ligar. Agora ouve-me com atenção: fica no teu quarto até chegarmos. Não vás à procura deles. Consegues fazer isso?”

“Sim,” murmurou ela.

Dez minutos depois, a viatura estacionou em frente a uma casa de dois andares com a tinta branca a descascar. Uma luz fraca na varanda iluminava a porta. Para surpresa de Manuel, a porta abriu antes de baterem. Uma menina de camisa de noite estava ali, os olhos arregalados de medo.

“Eles estão lá em cima,” disse ela simplesmente, apontando para o corredor.

Manuel e Ferreira trocaram um olhar rápido e seguiram-na. Quando entraram no quarto principal, um arrepio percorreu-os. Um homem e uma mulher estavam deitados lado a lado na cama. Pálidos, imóveis. Nenhum sinal de luta, nenhum ferimento visível—apenas um silêncio perturbador.

“Meu Deus,” murmurou Ferreira baixinho.

Manuel chamou imediatamente uma ambulância e a equipa de investigação. A cena era assustadora, mas não parecia um crime. Havia algo mais errado ali.

Quando a equipa de emergência chegou, descobriu rapidamente a causa. Havia uma fuga de gás no sistema de aquecimento antigo, que enchera a casa silenciosamente durante a noite. Os pais nunca acordaram, sufocados enquanto dormiam.

A sobrevivência da menina foi quase um milagre. O quarto dela ficava no andar superior, um pouco afastado da concentração de gás. E, mais importante, ela tinha o hábito de deixar a janela um pouco aberta. Aquele fio de ar fresco salvara-lhe a vida, embora os médicos tenham confirmado que ela inalara fumos suficientes para ficar gravemente doente. Foi levada às pressas para o hospital, mas estabilizou em poucas horas.

Manuel pensou naquela chamada vezes sem conta nos dias que se seguiram. Se a tivesse ignorado, achando que era uma brincadeira ou apenas o medo de uma criança, ela talvez não tivesse sobrevivido até de manhã. A decisão dele de a ouvir, de levar as suas palavras a sério, dera-lhe uma chance de viver.

Nos momentos de silêncio depois do caso encerrado, Manuel revivia a voz dela ao telefone. Frágil, assustada, mas corajosa o suficiente para pedir ajuda na escuridão. E porque ela o fez, e porque alguém atendeu, a esperança prevaleceu onde a tragédia quase levou tudo.

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