Beatriz estava à janela, observando as gotas de chuva escorrerem pelo vidro, formando desenhos caprichosos. Dezassete anos — era muito ou pouco? Lembrava-se de cada dia do seu casamento, cada aniversário, cada presente. E agora tudo desmoronava-se.
“Precisamos conversar”, disse Alexandre.
“Vou-me embora, Beatriz. Com a Sara.”
Silêncio. Apenas o tique-taque do relógio de parede, presente da mãe dela, quebrava a calma da sala.
“Com essa aluna da tua faculdade?” A voz dela saiu estranhamente serena.
“Sim. Compreende, os meus sentimentos mudaram. Quero novas emoções, novos ares. Tu és uma mulher inteligente, deves entender.”
Beatriz sorriu.
“Tens a certeza?”, perguntou.
“Claro”, respondeu Alexandre. “Já fiz as malas.”
Foi então que ela se dirigiu ao armário e tirou aquele vinho especial que guardavam para uma ocasião.
“Bem, suponho que este seja um momento muito especial”, começou, abrindo a garrafa. “Sabes? Sugiro que façamos um jantar de despedida. Convida os teus amigos, a tua família. Afinal, dezassete anos não é brincadeira.”
Alexandre ficou surpreso:
“Queres… queres fazer uma festa pelo nosso divórcio?”
“Por que não?”, sorriu Beatriz. “Vamos acabar a nossa vida a dois com estilo. Afinal, sou uma mulher inteligente, lembras-te?”
Começou a enviar mensagens a familiares e amigos.
“Amanhã às sete da noite. Vou preparar os teus pratos favoritos. Considera a minha prenda de despedida.”
Alexandre ficou parado, sem saber o que dizer. Esperava lágrimas, nervos, recriminações — menos esta aceitação tranquila.
“E diz à Sara que também está convidada. Quero conhecer a rapariga que conseguiu o que eu não consegui em todos estes anos: acender algo novo em ti.”
O dia seguinte começou cedo demais para Beatriz.
Ligou cautelosamente para os bancos, reuniu-se com um advogado e preparou a papelada. Tudo estava pronto.
Ao cair da noite, o apartamento amplo encheu-se do aroma de pratos requintados. Beatriz pôs a mesa com a melhor louça — um presente de casamento da sua sogra.
“Tem de estar perfeito”, murmurou.
A sogra, Dona Isabel, abraçou-a constrangida:
“Beatriz, querida, será que não há ainda uma chance de resolver as coisas?”
“Não, Dona Isabel. Às vezes, a melhor decisão é deixar ir.”
Aos poucos, os amigos foram chegando.
“Entrem, sentem-se”, orientou Beatriz, indicando os lugares à mesa. “Hoje, vocês são os protagonistas da noite.”
Quando todos se sentaram, Beatriz levantou-se, com uma taça na mão:
“Queridos amigos! Hoje é um dia especial. Reunimo-nos para celebrar o fim de uma história e o começo de outra.”
Virou-se para Alexandre:
“Alexandre, quero agradecer-te pelos dezassete anos que passámos juntos. Pelos altos e baixos, pelas alegrias e tristezas que partilhámos. Ensinaste-me muitas coisas. Por exemplo, que o amor pode ter muitas formas.”
Um murmúrio desconfortável percorreu a sala. Sara torcia um guardanapo, evitando olhar para alguém.
“E também me ensinaste a prestar atenção aos detalhes”, continuou Beatriz. “Especialmente aos financeiros.”
Começou a colocar os documentos em cima da mesa:
“Aqui está o empréstimo do teu carro, feito em conta conjunta. Aqui, os impostos em atraso da tua empresa. E isto — e isto é especialmente interessante — são os recibos de restaurantes e joalharias do último ano. Suponho que querias impressionar a Sara.”
Alexandre empalideceu. Sara levantou a cabeça subitamente.
“Mas o mais importante”, disse Beatriz, puxando o último documento, “é o nosso acordo pré-nupcial. Lembras-te de o assinar sem ler? Há uma cláusula interessante sobre a divisão de bens em caso de infidelidade.”
O silêncio na sala tornou-se ensurdecedor.
“O apartamento está em meu nome”, continuou Beatriz. “Já congelei as contas. E o pedido de divórcio foi entregue ontem à noite.”
Virou-se para Sara:
“Querida, tens a certeza que queres ligar a tua vida a um homem sem casa, sem poupanças, mas com muitas dívidas?”
“Desculpem, tenho de ir”, murmurou Sara.
Dona Isabel abanou a cabeça:
“Alexandre, como pudeste? Não te criámos assim.”
“Mãe, não compreendes…”, começou Alexandre, mas o pai cortou-lhe a palavra:
“Não, filho, tu é que não compreendes. Dezassete anos não é brincadeira. E tu arruinaste tudo — por uma aventura com uma aluna?”
Os amigos à mesa ficaram calados, evitando olhar uns para os outros. Apenas o Rui, amigo de infância de Alexandre, resmungou baixinho:
“Alexandre, fizeste mesmo asneira.”
Beatriz permaneceu de pé, com a taça na mão.
“Sabes o que é mais interessante? Todos estes anos pensei que o nosso amor era único. Que éramos como aqueles casais de contos de fadas que ficam juntos até ao fim. Ignorei as tuas noites a trabalhar até tarde, as chamadas estranhas, os fatos e camisas novas.”
Bebeu um gole.
“E então reparei nos recibos. Joalharias, o restaurante ‘O Cisne’, o spa… Engraçado, não é? Levaste-a aos mesmos lugares aonde me levaste.”
Sara voltou, mas não se sentou. Ficou à porta, agarrada à carteira.
“Alexandre, acho que precisamos de falar. A sós.”
“Claro, querida”, ele levantou-se, mas Beatriz deteve-o com um gesto.
“Espera. Ainda não acabei. Lembras-te do nosso primeiro apartamento? Aquele t”E, enquanto Alexandre ficava sozinho na sala vazia, a última coisa que ouviu foi o tilintar das chaves de Beatriz, que agora seguia rumo ao aeroporto, livre e pronta para escrever o próximo capítulo da sua vida.”






