Entre Séculos e Destinos
O Relógio Antigo
Na pequena cidade de Évora, em Portugal, existia uma loja de antiguidades chamada A Ponte do Tempo. O dono, o senhor Álvaro, era conhecido por sua coleção de relógios, mapas e manuscritos raros. Porém, no fundo da loja, havia um objeto que ninguém ousava tocar: um relógio de bolso dourado, gravado com símbolos estranhos.
Quem se aproximava sentia um arrepio, como se o tempo parasse por um instante. Muitos diziam que o relógio fora amaldiçoado. Para Clara Monteiro, uma historiadora de trinta e quatro anos, nada mais era do que um artefato fascinante, capaz de esconder segredos do passado.
Mas numa noite chuvosa, ao visitar a loja, Clara decidiu abrir o relógio. O ponteiro girou sozinho, e uma luz intensa a envolveu. Quando abriu os olhos, já não estava em 2023.
Lisboa, 1580
Clara despertou em meio ao som de cascos de cavalos e pregões de mercadores. Estava em Lisboa, em pleno século XVI. A cidade cheirava a peixe fresco, especiarias e madeira queimada. Roupas pesadas cobriam homens e mulheres, e o Tejo refletia navios prontos para partir rumo às Índias.
Confusa, Clara percebeu que ainda segurava o relógio. Uma inscrição brilhava na tampa: “Cada viagem tem um preço. Descobre o teu.”
Foi acolhida por Inês de Noronha, filha de comerciantes. Fingindo ser uma viajante estrangeira, Clara conseguiu abrigo. Mas logo notou que estava em um período conturbado: Portugal vivia a crise da sucessão após a morte do rei D. Henrique, e o trono era disputado.
O Mistério do Manuscrito
Enquanto explorava a cidade, Clara conheceu Diogo Figueiredo, um jovem estudioso da Universidade de Coimbra que guardava um manuscrito secreto. O texto falava de um viajante do tempo que mudara eventos históricos, alterando destinos de reis e reinos.
O mais intrigante: o manuscrito descrevia o mesmo relógio que Clara trazia.
— “Este objeto não é comum”, disse Diogo, com os olhos brilhando. “Ele escolhe seus portadores. Se estás aqui, não é por acaso.”
Clara sentiu um frio na espinha. Ela havia estudado a crise de 1580 nos livros de história, mas agora estava diante da possibilidade de influenciar diretamente aqueles acontecimentos.
Entre a História e o Destino
Com o tempo, Clara descobriu que o relógio a permitia saltar momentos específicos. Bastava girar o ponteiro em determinada marcação. Porém, cada salto drenava suas forças e deixava marcas em sua pele, como se o tempo cobrasse um tributo.
Inês e Diogo tornaram-se seus aliados. Juntos, descobriram que Malheiros, um conselheiro da corte, também possuía conhecimento sobre o relógio. Ele acreditava que poderia usá-lo para assegurar a vitória da Espanha sobre Portugal, entregando o reino a Filipe II.
Se Malheiros conseguisse, Clara sabia que a história mudaria de forma irreversível.
O Baile dos Conspiradores
Clara infiltrou-se em um baile no Paço da Ribeira, disfarçada de dama nobre. Ali, escutou Malheiros falar de planos para manipular uma reunião decisiva entre nobres portugueses. Usando o relógio, Clara avançou alguns minutos no tempo e conseguiu interceptar a mensagem secreta que ele pretendia entregar.
Mas a experiência a deixou debilitada. Ao voltar, quase desmaiou nos braços de Diogo. As marcas em sua pele brilhavam como brasas.
— “Estás a sacrificar-te”, murmurou ele.
— “Se eu não o fizer, Portugal perde sua independência para sempre”, respondeu Clara, determinada.
O Enigma das Três Portas
O manuscrito falava ainda de um teste final: o viajante deveria escolher entre três portas no Mosteiro dos Jerónimos. Cada porta levava a um futuro diferente, mas apenas uma mantinha a linha original da história.
Guiados por símbolos gravados no relógio, Clara, Inês e Diogo entraram no mosteiro à noite. Encontraram as três portas, iluminadas por tochas. Na primeira, via-se um Portugal devastado pela guerra. Na segunda, um reino submisso à Espanha. Na terceira, um país frágil, mas com esperança de renascimento.
Clara sabia, pelos livros de história, que Portugal realmente perdera a independência temporariamente, mas se reerguera mais tarde. A terceira porta era o destino correto. Ainda assim, hesitou. Se tivesse a chance, não deveria mudar para melhor?
— “Não deves brincar com o tempo”, alertou Diogo. “A história é feita de dores e vitórias. Se alterares uma, destróis a outra.”
Com lágrimas nos olhos, Clara escolheu a terceira porta.
O Preço da Viagem
Ao atravessá-la, o relógio vibrou violentamente. Clara sentiu seu corpo ser puxado para longe, como se todos os séculos passassem diante de seus olhos: reis coroando-se, batalhas, descobertas, revoluções, aviões cortando os céus, computadores iluminando salas.
Quando acordou, estava de volta à loja do senhor Álvaro, em 2023. O relógio repousava silencioso em sua mão, como se nada tivesse acontecido.
Mas algo mudara. Em sua pele, as marcas continuavam. E, sobre o balcão da loja, encontrou um manuscrito idêntico ao de Diogo, agora escrito em português moderno. Na última página havia uma frase que a fez tremer:
“A viajante manteve a linha do tempo. Mas a história ainda não terminou. O relógio sempre chamará novamente.”
Epílogo
Clara deixou a loja sem dizer nada ao senhor Álvaro. Caminhou pelas ruas de Évora com a sensação de carregar séculos nos ombros. Sabia que, a qualquer momento, o relógio poderia despertar outra vez.
E, no fundo de sua alma, uma pergunta permanecia: até quando conseguiria pagar o preço de viajar no tempo?




