O Mistério da Biblioteca de Mármore
A chuva batia forte contra as vidraças da antiga mansão Whitmore, um casarão imponente situado nos arredores de Lisboa. Dentro dela, um grupo seleto de convidados se reunia para uma noite de leitura e debate, como parte do clube do livro mensal organizado pela anfitriã, Dona Helena Whitmore, viúva de um magnata britânico que se instalara em Portugal anos atrás.
A reunião, porém, jamais terminaria como o esperado.
O Encontro
Na biblioteca revestida de mármore e madeira escura, com estantes que subiam até o teto, sete pessoas acomodavam-se em poltronas macias, cercadas por abajures de luz quente e uma lareira que estalava suavemente. Cada um dos presentes tinha uma ligação especial com a anfitriã — amizades, negócios, favores antigos — mas também motivos ocultos que ninguém ousava confessar.
Os convidados eram:
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Dona Helena Whitmore, a anfitriã, mulher de caráter firme, apaixonada por literatura policial.
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Padre António Duarte, pároco local, de fala mansa, mas olhar inquieto.
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Beatriz Lacerda, jovem advogada brilhante, com fama de não perder um debate.
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Álvaro Mendes, comerciante próspero, mas de reputação manchada por boatos de dívidas.
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Clara Figueiredo, bibliotecária, sempre discreta, com um caderno de anotações inseparável.
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Rodrigo Sá, médico respeitado, mas distante, como se escondesse uma constante preocupação.
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Inspector Miguel Azevedo, amigo de longa data da família Whitmore, convidado por acaso, pois Helena gostava da presença de alguém que sempre pensava como um detetive.
Às nove da noite, após a discussão sobre o livro do mês — O Assassinato de Roger Ackroyd de Agatha Christie —, Helena ergueu a taça de vinho e sorriu com ironia:
— Imaginem, meus caros, se um de nós fosse assassinado aqui, agora mesmo. Quem descobririam ser o culpado?
A frase, dita como brincadeira, fez alguns rirem, outros franzirem a testa. O destino, no entanto, parecia ter ouvido o desafio.
O Crime
Pouco depois das dez, a eletricidade oscilou e as luzes se apagaram por um instante. Um estrondo ecoou, seguido de um grito. Quando a luz voltou, Dona Helena Whitmore jazia caída ao lado da lareira, a taça quebrada e uma mancha vermelha espalhando-se em seu vestido de seda azul.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
— Ela está morta — murmurou o Dr. Rodrigo, após verificar-lhe o pulso.
O pânico tomou conta da sala. Mas o Inspector Azevedo, mantendo a calma, ergueu a voz:
— Ninguém sai desta biblioteca até sabermos o que aconteceu. Isto não foi acidente.
As Primeiras Pistas
O corpo não apresentava sinais de luta. Havia apenas um ferimento pequeno na base do crânio, possivelmente causado por um objeto pesado. A taça de vinho, curiosamente, não continha veneno, como muitos poderiam suspeitar.
Azevedo começou a interrogar os presentes.
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Padre António afirmava ter ido até a janela quando as luzes falharam, rezando baixinho por proteção.
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Beatriz disse que procurava o isqueiro na bolsa para reacender as velas.
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Álvaro garantiu que não se moveu, mas seu nervosismo traía insegurança.
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Clara confessou ter se abaixado para pegar o caderno que caíra.
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Rodrigo estava junto ao corpo imediatamente, mas seria natural para um médico.
E então surgiu a primeira pista: um candelabro de bronze manchado de sangue, encontrado sob a mesa lateral.
Os Segredos Revelados
Ao investigar os pertences dos convidados, o inspetor encontrou motivos escondidos:
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O padre tinha recebido grandes doações anônimas que, ao que parecia, vinham da própria Helena. Mas alguém descobrira que o dinheiro vinha de negócios ilícitos do falecido marido.
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Beatriz, a advogada, tinha em mãos documentos provando que a herança da família Whitmore poderia ser contestada. Helena sabia e a confrontara em cartas recentes.
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Álvaro devia uma soma imensa a Helena, que ameaçara tomar sua casa como pagamento.
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Clara, a bibliotecária, mantinha um diário onde descrevia encontros secretos com Helena, que prometera ajudá-la a publicar um livro — mas recentemente cancelara o acordo.
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Rodrigo, o médico, recebera chantagens anônimas sobre um erro grave em uma cirurgia, e Helena parecia conhecer detalhes comprometedores.
Cada um tinha um motivo.
O Enigma da Lareira
Enquanto todos discutiam, o inspetor observou algo estranho: uma marca de cinzas espalhada ao lado da lareira. Como se alguém tivesse tentado queimar papéis às pressas durante o apagão.
Revirando as cinzas, encontrou pedaços de um bilhete incompleto:
“Ela sabe da dívida… não posso permitir…”.
O fragmento apontava para Álvaro, mas Azevedo não se deixou enganar.
A Reviravolta
Pouco depois da meia-noite, Clara, a bibliotecária, desapareceu por alguns minutos. Quando voltou, parecia mais pálida do que antes. O inspetor a confrontou:
— Onde esteve?
Ela gaguejou, dizendo que apenas fora ao corredor beber água. Mas sua saia estava suja de poeira, como se tivesse mexido em algum compartimento secreto.
Seguindo sua intuição, Azevedo examinou uma das estantes. Encontrou uma pequena porta oculta, atrás da qual havia uma caixa de documentos. Entre eles, cartas que revelavam algo bombástico: Helena investigava todos os presentes e planejava expor seus segredos no próximo encontro do clube.
Agora o motivo estava mais claro do que nunca.
O Clímax
Azevedo reuniu todos novamente.
— O assassino está entre nós, e já sei quem é.
O inspetor explicou passo a passo: o assassino aproveitou o apagão para pegar o candelabro e atingir Helena. Não houve tempo para veneno ou estrangulamento, apenas um golpe rápido.
Quem teria se movido sem chamar atenção? Não o padre, que rezava em voz audível. Não Beatriz, que mexia em sua bolsa e foi vista fazendo barulho. Álvaro estava sob olhar constante, nervoso demais para agir em silêncio. Rodrigo correu ao corpo assim que a luz voltou.
Sobrava Clara, a única que se abaixara, fingindo buscar o caderno. Enquanto todos estavam distraídos, ela se aproximou da poltrona da anfitriã e desferiu o golpe fatal. Depois, tentou queimar o bilhete que incriminava Álvaro, desviando as suspeitas.
A Confissão
Pressionada, Clara chorou e confessou. Helena havia prometido ajudá-la a publicar suas memórias, mas, ao descobrir verdades comprometedoras sobre todos, cancelara o apoio. Clara temia que o diário viesse à tona, revelando segredos pessoais e ridicularizando-a diante de todos.
— Eu não queria… mas ela me deixou sem saída — soluçou.
Foi levada pelo inspetor, enquanto os demais se entreolhavam em silêncio.
Epílogo
Na manhã seguinte, o sol rompeu as nuvens, iluminando a antiga biblioteca. Os livros permaneciam intocados, como se guardassem em segredo a tragédia da noite anterior.
O clube do livro jamais voltou a se reunir ali. Mas todos lembrariam para sempre da noite em que a ficção policial saltou das páginas para a vida real.