Ecos da Consciência
Sempre acreditei que a consciência fosse como uma chama: acesa dentro de nós, iluminando nossos pensamentos, nossos medos e desejos. Mas, quando acordei naquela sala branca, sem janelas, percebi que talvez eu estivesse errado.
Não havia lembranças claras de como cheguei ali. Apenas fragmentos: o som de uma buzina, um clarão, a sensação de queda. Em seguida, escuridão. E então, a luz branca, constante, sem origem.
No centro da sala, havia uma mesa. Sobre ela, um espelho redondo. Quando olhei para o reflexo, quase gritei.
Não era o meu rosto.
O Primeiro Encontro
A imagem no espelho parecia viva, mas não era idêntica a mim. Era como uma versão alternativa: mesma estrutura facial, mas com olhos mais escuros e um sorriso frio.
— Finalmente acordou — disse a voz vinda do espelho.
Dei um passo para trás, o coração acelerado.
— Quem é você?
— Eu sou você. Ou, talvez, aquilo que você nunca quis ver.
Naquele instante, compreendi que a sala não era apenas um espaço físico. Era algo dentro da minha mente. Talvez um limiar. Talvez uma prisão.
Fragmentos de Vidas
Nos dias seguintes — ou o que me pareceu dias, já que não havia tempo ali — comecei a viver lembranças que não eram minhas. Em uma delas, eu era professor de filosofia em uma universidade. Em outra, caminhava como médico em um hospital de guerra. Em mais uma, estava sentado em uma pequena casa de madeira, escrevendo romances à luz de velas.
Cada memória vinha com uma nitidez assustadora. Eu sentia os cheiros, os sons, a dor.
— Essas são suas outras possibilidades — explicou o reflexo no espelho. — Todas as versões que poderia ter sido.
— Mas por quê? Por que eu vejo isso?
— Porque a consciência é múltipla. Você acreditou que era apenas um, mas sempre foi muitos.
A Conversa com a Voz
Certo dia, ao despertar de mais uma lembrança fragmentada, ouvi uma nova voz. Não vinha do espelho. Vinha de dentro da minha cabeça.
— Você precisa escolher — disse a voz.
— Escolher o quê?
— Quem você será. A consciência não suporta infinitas possibilidades para sempre. É como um rio: precisa de um leito.
Tentei resistir. Tentei argumentar que eu já tinha uma vida, uma identidade. Mas percebi que não lembrava mais do meu nome. Nem do meu rosto original.
O Labirinto de Espelhos
A sala branca se transformou. De repente, estava cercado por corredores infinitos de espelhos. Em cada reflexo, uma versão diferente de mim. Um guerreiro. Um monge. Um criminoso. Um amante. Um homem de negócios. Um mendigo.
Eles falavam todos ao mesmo tempo, criando um coro enlouquecedor:
— Eu sou você.
— Você sou eu.
— Escolha.
— Escolha.
— Escolha!
Tapei os ouvidos, mas a voz estava dentro de mim.
— Se não escolher, deixará de existir — repetiu o reflexo original.
A Descoberta
Percebi então que talvez não houvesse realidade fora dali. Talvez minha vida “antes da sala” fosse apenas uma das versões. Talvez eu estivesse preso em um ciclo eterno de consciências possíveis.
Sentei-me no chão, exausto. E comecei a refletir.
E se a consciência não fosse individual?
E se fôssemos todos ecos de uma mesma mente universal, vivendo simultaneamente em bilhões de corpos, acreditando sermos únicos?
— Agora você está começando a entender — disse a voz do espelho. — A individualidade é apenas uma ilusão. Você não é você. Nunca foi.
A Escolha
No entanto, uma dúvida persistia: se tudo era ilusão, por que havia necessidade de escolher?
— Porque mesmo a mente universal precisa sonhar uma narrativa coerente — respondeu o reflexo. — Sem coerência, o sonho se desfaz.
Olhei em volta. Milhares de versões de mim me encaravam. Todas aguardavam.
Respirei fundo e toquei o espelho diante de mim. A superfície líquida vibrou, e fui sugado para dentro.
Outra Realidade
Acordei em uma cama de hospital. Médicos ao meu redor. Ouvi alguém dizer:
— Ele voltou.
Mas algo estava errado. As pessoas sorriam como se fosse um milagre, mas eu não as reconhecia. E quando me mostraram um espelho, percebi: eu era outro homem.
Memórias começaram a inundar minha mente: esposa, filhos, uma carreira como engenheiro. Mas, no fundo, ainda havia ecos das outras vidas. O guerreiro. O professor. O escritor. O homem solitário da sala branca.
Sorri para os médicos. Mas dentro de mim, uma certeza crescia: eu poderia despertar de novo, em outra consciência, em outro corpo.
Talvez fosse isso a imortalidade. Não viver para sempre em uma vida, mas acordar infinitas vezes em infinitos eus.
O Último Dilema
Hoje, enquanto escrevo este relato — ou penso que escrevo, pois talvez seja apenas mais um sonho dentro de outro — pergunto-me:
Será que você, que lê estas palavras agora, também não é apenas uma versão de mim?
Talvez sua consciência e a minha sejam apenas dois fragmentos do mesmo espelho.
E se for assim, quando você fechar os olhos hoje à noite, talvez acorde aqui, nesta sala branca sem janelas, encarando meu reflexo.
E, então, terá que escolher.
Epílogo: O Ciclo Infinito
Não sei se isso é um aviso, uma confissão ou apenas delírio. Mas aprendi algo fundamental:
A consciência não é propriedade de ninguém. É um rio que flui, tomando formas diferentes, em tempos diferentes, em corpos diferentes.
Você acredita ser único? Eu também acreditava.
Até despertar.

