O Palácio dos Santos erguia-se imponente e silencioso, seus pisos de mármore brilhando sob a luz ténue dos lustres. Lá fora, o vento do inverno arranhava as altas janelas de vidro, sacudindo-as com cada rajada gélida. Dentro, porém, o ar era denso e pesado. De um calor que se agarrava mais às paredes do que aos corações daqueles que ali viviam.
Mariana ajustou o seu uniforme de empregada azul-petróleo e esfregou o braço por cima das luvas finas de limpeza. O antebraço ainda latejava onde um hematoma, roxo e profundo, começara a surgir mais cedo. Aprendera há muito tempo que os hematomas eram mais fáceis de esconder do que palavras ditas fora de hora. Na casa dos Santos, o silêncio era sobrevivência.
Quatorze horas de pé a esfregar, polir e tirar o pó, mas o seu trabalho não acabava ali. Os gémeos choraram até à exaustão mais cedo aquela noite, e Mariana fora a única a consolá-los. Os seus prantos ecoaram pelo ar durante uma eternidade, e ninguém mais aparecera.
Os meninos, com apenas três meses, esticavam-se agora sobre um cobertor fino estendido no tapete, vestidos com bodies azuis-claros idênticos. Os seus peitinhos subiam e desciam em uníssono, frágeis e serenos. As suas faces coradas encostavam-se uma à outra enquanto dormiam, buscando calor não do pai ou da família, mas da única mulher que ficara.
Mariana ajoelhou-se ao lado deles, o corpo dorido, o espírito cansado. Quando fora contratada há seis meses, disseram-lhe que o seu papel era apenas a limpeza, mas a realidade revelara-se rapidamente. As amas iam e vinham, nunca ficando mais do que algumas semanas. Quando partiam, ninguém as substituía. Era mais fácil para os Santos esperarem que Mariana assumisse o papel de cuidadora do que realmente procurarem ajuda.
A mãe dos meninos partira desde o parto, as suas memórias sussurradas entre a equipa, como se proferir o seu nome pudesse perturbar a sua paz. Eduardo Santos, o pai, era um homem cujo nome comandava respeito nas salas de reuniões e cujas decisões moviam mercados. Porém, na sua própria casa, era um fantasma. Mariana observou os gémeos a dormir, o coração pesado de amor e preocupação.
Mais cedo, um deles tivera febre, os punhos minúsculos cerrados de dor, enquanto o outro gritara até a garganta falhar. Mariana embalara-os, cantarolara e acalmara-os da melhor forma que soubera. Os seus braços tremiam agora de cansaço. Não ousou deixá-los no quarto deles. O aposento era demasiado frio, os berços demasiado rígidos.
Por isso, ficara ali, onde o tapete guardava o calor do candeeiro. A exaustão arrastava-a. Deitou-se ao lado dos meninos, a face apoiada no braço, a mão enluvada estendida sobre o cobertor numa proteção silenciosa. Escutou a respiração suave deles, prometendo a si mesma que não fecharia os olhos. Mas o cansaço traiu-a.
Seria só por um instante.
A casa estava em silêncio quando a porta da frente se abriu. Eduardo Santos entrou, os passos firmes, o fato azul-marinho impecável, a gravata vermelha perfeitamente alinhada. Trazia a mala numa mão, enquanto a outra afrouxava o nó da gravata. Ao entrar, parou. Ali, na sala de estar, estava a sua empregada, deitada no tapete, a cabeça a centímetros dos seus filhos.
Os gémeos dormiam no chão, as faces tocando o cobertor macio. O braço de Mariana estendia-se sobre a borda, uma guardiã silenciosa. Ele reparou no hematoma, ténue mas inegável. A voz dele cortou o silêncio como uma faca.
“O que raio se passa aqui?”
Mariana acordou sobressaltada, o coração acelerado. Sentou-se rapidamente, olhando entre ele e os gémeos. Um dos meninos resmungou.
“Fiz-te uma pergunta,” insistiu Eduardo, avançando. “Porque é que os meus filhos estão no chão? Porque estás tu aqui deitada?” Ele parou, o olhar fixo no hematoma. “O que aconteceu ao teu braço?”
Mariana engoliu em seco, a voz suave. “Eles choravam. Precisavam—”
“Eles têm uma ama para isso,” interrompeu.
Ela ergueu o queixo. Desta vez, não recuou. “Não, não têm. Sou só eu.”
Um lampejo de dúvida cruzou o rosto dele, mas o tom manteve-se gelado. “Vamos falar agora no meu escritório.”
O peito de Mariana apertou-se quando olhou para os gémeos, ainda a dormir, tão pequenos e alheios. Levantando-se devagar, os joelhos doridos de tantas horas no chão, seguiu-o.
O escritório estava escuro, iluminado apenas pelo lume. As sombras dançavam nos traços angulosos de Eduardo quando ele pousou a mala. A voz dele era de comando.
“Explica.”
As mãos de Mariana tremiam, mas as palavras firmaram-se. “Os gémeos não têm cuidados há semanas. A última ama despediu-se, e ninguém a substituiu. Eu limpo, cozinho, cuido deles porque ninguém mais o faz. Hoje, um deles teve febre. Não podia deixá-lo naquele quarto gelado. Por isso fiquei com eles no sítio mais quente que encontrei.”
O maxilar dele apertou-se. “E porque estavas deitada?”
Mariana encarou-o. O peito tremia-lhe, mas manteve-se firme. “Porque estava exausta. Trabalho desde o amanhecer. Não comi desde de manhã. Quando eles finalmente pararam de chorar, fiquei perto caso acordassem. Não queria adormecer. Mas se tivesse de o fazer outra vez, faria. Eles sentiram-se seguros.”
Algo mudou na expressão dele. A ira desvaneceu-se, substituída por um peso.
“O hematoma?” perguntou.
Mariana tocou no braço instintivamente. “Um dos seus convidados na festa da semana passada. Empurrou-me quando passava com uma bandeja. Caí. Ninguém reparou.” Fez uma pausa. “Ou talvez ninguém se importasse.”
Eduardo ficou imóvel. Lembrou-se daquela noite. O champanhe, as risadas, o ruído dos negócios e conexões que ele não vira. Ou talvez não tivesse olhado.
“Devias ter-me dito,” murmurou.
“Teria importado?” A voz dela quebrou-se. “O senhor nem sequer os vê, Sr. Santos. Não vê os seus filhos. Tudo o que eles têm é eu. E até eu não sou nada aqui. Sou só a criada.”
O lume crepitou. O silêncio prolongou-se. Eduardo virou-se para a janela, o reflexo pintado pela luz alaranjada, assombrado pelas memórias da falecida esposa e dos dias em que se enterrara no trabalho. Finalmente, disse: “Fica aqui.”
Saiu do escritório abruptamente. Mariana ficou paralisada, sem entender. Minutos depois, ele regressou com dois cobertores azuis do quarto deles. Sem uma palavra, ajoelhou-se—ajoe—ajoeolhando-se verdadeiramente ao lado dos seus filhos, e, com um cuidado que Mariana nunca lhe vira antes, cobriu-os suavemente com os cobertores, os olhos marejados de uma dor que já não podia ignorar.







